(hoje sonhei com a Piazza de Spagna, e com tudo e tudo...)
Não
namores um rapaz que lê! Não namores com um rapaz que gaste o dinheiro dele em
livros, em vez de roupas. Ele tem problemas de arrumação e não é só porque tem
demasiados livros, ele tem problemas de arrumação no coração. Não namores um
rapaz que tenha uma lista de livros que quer ler, quem é que tem uma lista de
livros que quer ler?!... que tenha um cartão da biblioteca desde os doze anos.
Que
pense que Paris é a Paris d`Os Sonhadores, do cemitério de Montparnasse, do
café onde a Améli trabalha e o Yann toca, a Cinémateqhe porque tem a mania de
gostar de filmes que ninguém gostas, que tu não gostas, filmes que se parecem
com a vida, mas não como ela é, que sabe que Musil não é um tipo de massa, e
pensa que alguém se importa com isso!
Se
encontrares um rapaz que lê... foge! Vais saber que é ele, porque anda
sempre com um livro por ler dentro da mochila, provavelmente um daqueles que
ninguém lê, provavelmente um Thoreau, um Bukowski, um Barthes. É aquele que
percorre eroticamente as estantes das livrarias, aquele que dá um grito
imperceptível ao encontrar o livro que queria, como se se pudesse encontrar um
livro… o pobre não sabe sequer que os livros é que nos encontram. Vês aquele
rapaz com ar estranho, a cheirar as páginas de um livro velho, num qualquer
alfarrabista, desses que só as moscas visitam? É o leitor, o nefário. Nunca
resistem a cheirar as páginas, especialmente quando ficam amarelas…sabe-se lá
mais do que é capaz!
Ele
é o rapaz que lê enquanto espera no bar ao fundo da rua. Ele é que o que pede
um copo de vinho. Ele é o que olha o copo, como se olhasse uma pedra preciosa,
um livro (um livro diria ele). Ele é o que cheira o vinho antes de o fazer
girar por toda a boca…e sim, ele emite pequenos sons, ruídos, enquanto faz
isso. Ele é o que repete todos esses passos de cada vez que tira os olhos do
livro. Sim, confirma-se o pior dos cenários: para além de ler, gosta de vinho:
para além de ler e gostar de vinho, gosta de ler e de gostar de vinho. Ele é o
que depois escorrega de novo para a leitura, como se não houvesse mais mundo
por onde andar, só o mundo do autor. Foge! Sobretudo, não te sentes... Ainda
que ele te veja de relance, não pares, não retribuas o olhar, vota-lhe o
desprezo que todos lhe devemos votar. Foge, não te sentes e ainda que ele te
veja de relance, não lhe retribuas o olhar, e sobretudo, pela tua saúde, não
lhe perguntes se está a gostar do livro e não lhe ofereças outro copo de vinho,
e não te sentes e foge e foge e….
Não
lhe perguntes sobre Murakami, ele provavelmente responderá, com o olhar:
Sputnik, meu amor ou Kafka à beira-mar. E entende que, se ele disser não ter
gostado da tradução brasileira do Ulisses de Joyce, não é só
para parecer mais inteligente, quer dizer, precisamente, que não gostou da
tradução brasileira (nem sequer de Português BR, brasileira) do Ulisses de
Joyce...Mas que raio, porque é que alguém deveria ler o Ulisses de Joyce? E se
te sentares, não te demores, ou ele falar-te-á ainda de um tal sr. Antunes com
quem fala todas as tardes de livros, nos cafés, nos autocarros, nos bairros do
sr. Henri, do sr. Kraus, de Swedenborg…nos livros que existem dentro de outros
livros.
Olha
que não é fácil namorar com um rapaz que lê. Só quer livros: livros no dia de
anos: livros no Natal: livros em todas as datas especiais, que ele seja capaz
de recordar, felizmente não serão muitas! Só quer palavras como presente. Só
quer palavras como presente e só dá como presente palavras… palavras em poemas,
palavras em canções, palavras nas paredes que gritam o teu nome, palavras até à
náusea... Só quer Borges, Andrade, Helder, e Vasco, Daniel, Miguel-Manso,
a Filipa e outros que ninguém conhece, como se mais alguém perdesse tempo
com coisas tão inúteis, inutilidade que ele próprio não refuta (a poesia é a
mais bela das coisas inúteis, e a mais útil também) como a poesia. Perceberás
que ele pensa que as palavras são amor, e valem por si. Perceberá que ele não
distingue entre livros e realidade, e pensa que esta pode ser como um dos seus
livros preferidos, qualquer um.
Mente-lhe.
Desilude-o. Ele compreenderá que é isso que acontece na vida, porque um livro
já lho disse. A vida é clímax, é desespero, é música e maravilhosos fins de
tarde que não se repetem até serem repetidos, revividos…Eles sabem que até as
mais bonitas histórias têm fim, e não só porque um livro já lho disse, mas no
final estará sempre tudo bem. Há lá coisa mais irritante? Eles acham que
as pessoas, tal como as personagens, evoluem, mudam. Excepto na saga Crepúsculo e
em todos os livros (?) – ao dizer isto ele rir-se-ia estupidamente –, livros (?)
–ao repetir isto ele diria estupidamente, chamar-lhe livros é um eufemismo– da
Margarida Rebelo Pinto.
Já
estás a imaginar, não é? E ainda não é o pior.
Ele,
necessariamente, vai querer declarar-se num balão de ar quente, porque só a
isso chama ele declaração, ou durante um concerto de Chico, ou ouvindo Tom ou
enquanto te canta Caetano, vê um filme, mas nunca pelo skype ou facebook…
E
vais sorrir tanto que te perguntarás: quererá ele que o meu coração expluda e
espalhe sangue por todo o lado (obviamente para tu limpares, se bem que ele
também pode padecer desse enorme defeito de acreditar na divisão de
tarefas...Oh, não, provavelmente, ele também não te deixará cozinhar mais do
que meia dúzia de vezes...o pesadelo!). E vai querer escrever a vossa história,
e vai querer ter filhos, ainda que diga que não quer, e vai querer dar nomes
estranhos às crianças, e falar-lhes de coisas estranhas enquanto lhes nega um
telemóvel…Sim, ele possuí a perfídia necessária para recusar um bem tão
essencial como um telemóvel a uma criança com menos de 12 anos. E pensavas tu
que já sabias o pior. E não, depois de o teres aturado toda a vida, e ele ter
feito Invernos de todas as fases da tua vida, vai querer dizer-te Neruda ao
ouvido enquanto te tira um cavaco da mão para alimentar a lareira.
Não
namores um rapaz que lê, porque tu não mereces, ninguém merece! Mereces um
rapaz que te pode dar uma vida mais colorida. Se queres ser feliz, olha que
serás mais feliz sozinha. Mas se queres passar por tudo o que leste acima
(obviamente que não), então vá, namora com um rapaz que lê, mas depois não
digas que eu não te avisei.
P.S.:
Se lê e escreve…é ainda menos recomendável!
Do caríssimo Carlos Soares,
a partir do Namora uma rapariga que lê, de Rosemary Urquico.
é uma honra estar rodeado de coisas tão bonitas, num lugar de meias-noites tão únicas. ciao bella
ResponderEliminar